Saudações!

Sem a pretensão de ser mais um espaço conclusivo, mas de permuta clandestina de sensações e reflexos da mística desse mundo, espero que este lugar crie e seja criado como algo que nada baste, mas que conclame a imperfeição de seres na busca do elo singelo das relações.

Para quem desconhece o termo famigerado, provém do latim famigerátus e quer dizer aquele que divulga notícias ou que é afamado. No entanto, é nas palavras de Guimarães Rosa que me sirvo para incorporar algo de dúbio em um de seus contos mais "afamados".

Um abraço a todos e sejam bem vindos!


24 de agosto de 2007

Distúrbio do medo onipresente


Caminha pelo parapeito do prédio. Ele anseia cair, mas não pula. Cerra na face o sorriso em pleno êxtase. Prossegue sem medo entre a morte inquestionável e a realidade que o antecede. Este é o momento – ele pressente. Inabalável olha para baixo, o lado externo ao prédio. Sacode os braços ao lançar o corpo inebriado de si mesmo. Apenas um corpo esquecido, agora chama a atenção entre os burburinhos e as falsas lamentações de estranhos.
.
Tal qual a angústia da era moderna entre os dois lados que nos atrai fica a sensação da liberdade de quem segue a passos diante dos perigos da vida para o espaço e tempo desconhecidos. É o risco que há em se viver. Já disseram uma vez que 'viver é perigoso'. Eis uma verdade inquestionável. Temer porém é ainda mais arriscado, pois que se o medo da morte o impede de conquistar o mundo que o cerca não haverá mais vida.
.
Em todo caso 'viver não é preciso', lutar sim. A peleja digna de deuses é, senão a conquista sincera do merecido fim, o outro lado da moeda, que gira e gira quase uniforme como o mundo em que se sustenta. É no balanço do metal ou do corpo insipiente que o destino se deleita e se apraz. E nesse vai e vem contínuo traça o seu perfil, a sua identidade. Afinal, continua quem quer, pois que não tema a morte e muito menos a vida. Responda sem medo por seu passo no chão profundo.

21 de agosto de 2007

Um outro mané

"Certa vez, enquanto perambulava pelas ruas de Natal, à noite, pude perceber uma cena no mínimo tragicômica. Um jovem com semblante desgastado, titubeava pela pista. Percorria delirantemente de ponta a ponta os lados da mesma. Fazendo e desfazendo o sentido enquanto carros não houvesse. Seu gingado e sua malícia pareciam falar em outra linguagem. Uma bem próxima dos bares e dos verdes campos de alegrias e confusões. Seu trajeto, não o via. Parecia viver aquele momento. O momento inebriante do drible. Sobre quem, não importava. Apenas seguia, como quem nada mais quer da vida.
.
Sua história, para quem observava, não tinha passado ou futuro. Compunha-se de um simples momento, entre uma esquina e outra, entre um passo e outro.
.
Penso no que o levou a embriagar-se. Seria uma história em que viver é um suplício? Driblando talvez, os confrontos sem causa justa, as mágoas tardias ou perdurantes, os sentimentos incompreendidos? Quem sabe não fosse culpa de um amor perdido como daqueles de infância. Ou mesmo, um amor escondido, do tipo que nada esclarece pela timidez absoluta. Quem sabe talvez o inverso. Estivesse comemorando a vitória de seu time, a conquista de um emprego, até mais, a conquista de um prêmio, com a dose exata e digna de um prêmio. Qualquer que seja a causa e o fim, o caminho ele está trilhando, neste curto percurso de uma rua.
.
O que fazia da vida, ninguém sabe. Era um vulto passageiro e sem nome, como tantos outros, nas cidades, que fingem viver. Viver, sem ver e perceber a vida. Apenas passam sem saber que não há prorrogação.
.
Não bastasse a pobre imagem, inusitadamente entra em jogo um novo personagem, ao fim da rua. Mais um desgarrado social. Seguia-o aos mesmos trepidantes passos. Seria revanche? Marcação cerrada? Que importava?! Seguia-o sim, mas sem direção. Como quem segue uma ilusão de uma vida sem gols e sem torcida alguma".
.
Leandro Fábio de Lima e Silva

10 de agosto de 2007

A vida que antecede a morte


O que quer que façamos de nossa existência não pode ser mais um passo para o esquecimento. A vida, muito mais do que uma simples palavra, e palavra pouca para expressar esse momento, precisa de conteúdo. Nela tudo em tudo se transforma ante a história.

Não são poucos os que cumpriram a sua parte diante das gerações futuras, numa visão mais positivista, nem tão poucos aqueles que tentaram impedir o progresso em inconcebíveis atitudes. Cada qual que faça a sua parte, como a fábula contada pelo sociólogo Betinho, onde um beijar-flor, sozinho, tenta apagar com pequenas gotas de água um incêndio na floresta. Ainda que não consiga, faz ele a sua parte.

Para uma visão mais construtiva, citemos Madre Tereza, em um de seus relatos mais expressivos, "sempre foi no fim das contas entre você e Deus, nunca foi entre você e as outras pessoas". De fato, a nossa percepção individualista tende a pensar a vida como um movimento do tempo incoerente. O prazer fútil encobriu as lacunas deixadas pela falta de amor próprio e da fraternal amizade, que muito bem falou o poeta do povo, Vinicius de Moraes.

Todos esses são nomes de pessoas que cumpriram esta etapa da vida, marcando com certa ternura o seu momento. Faça a sua parte e estes os serão tão pares que lhes legarão a própria eternidade.

1 de agosto de 2007

O átomo que brota das cinzas

Duzentos é apenas um número, mas que arde e dói. Não arde do fogo, nem restam cinzas. Já não se sabe aonde foram parar tantos sorrisos e lembranças. A mácula do abandono, às chamas, ao pavor e silêncio forçado pela inconsciência, tingem de negro o dia e de cinza a tela mental e o coração. Talvez na esperança de reaver um fragmento sincero do ser em comunhão com escombros, renascer na parte mais carnal da esperança, é que se faz necessário sepultar uma vez mais, até o último átomo para prosseguir, senão na terra, no coração.

Do verbo ao coito

Nada mais nobre do que conclamar o amor, ainda que carnal pelo verbo. E, Drummond ao expressar da sua forma, transforma elementos típicos de vulgaridade na sutil arte de amantes corpos, em complemento.


Amor, pois que é palavra essencial

Carlos Drummond de Andrade

.............................................................
Amor – pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
.
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
.
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.
.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.
.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

31 de julho de 2007

Do desejo e da felicidade


Há um primeiro alento que se falar. Apressar o passo diante do cerco. Sobreviver a infâmia desgarrada da angústia, de tudo que nasce do eco imoral dos desejos: o consumismo.

A cria dos elementos que sustenta o vício pessoal, o pequeno entrave para externar-se ao mundo, para além das grades e paredes de um corpo em geração ou decadência.

É o sabor da liberdade, meus caros, que foge por entre as sinopses da mente. Ser liberto, é uma questão de ser inteiro. De bastar-se. Sê livre, pois que ninguém diante do vazio deveria suspirar por algo que não precisa; pelos sonhos de outrem; pela sugestão do supérfluo; pela ilusão provocada na interpretação dos próprios olhos.

Sondar a felicidade alheia é saborear o ácido que emana da própria boca. Pior, sabendo tratar-se de um sentimento sob medida. Carregará em suas costas a memória infeliz do desejo frustrado. Desejo este, que nem deveria existir. Ao contrário, consumar o caminho daquilo que se é feito: o pleno sentimento de incógnita.